segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Segue a repressão no Chile


Christian Palma - Correspondente da Carta Maior em Santiago
A jornada foi similar ao que aconteceu nas últimas marchas pela educação no Chile: festa no começo e caos no final. Some-se a isso a escassa capacidade de diálogo e de condução do governo, ameaças e repressão. Assim foram os dias de paralisação e marchas convocadas pelos estudantes e trabalhadores chilenos.


No começo, festa, cartazes coloridos alusivos ao movimento estudantil, cantos, bailes, batucadas e até alguns corpos pintados saíram às ruas para protestar, mais uma vez, contra os abusos. As duas marchas de ontem ecoaram outra vez o sentimento popular e encheram de danças e cores a capital do Chile. Mas o carnaval terminou, outra vez, em duros enfrentamentos com a polícia. A luta se repetiu entre jovens encapuzados – os mesmos que acendem fogueiras – os carabineiros que os reprimiram sem hesitação.

A última jornada não foi exceção. Detidos, destroços, carros queimados e feridos se repetiram em Santiago, por mais que, na quarta, o governo tenha invocado a Lei de Segurança do Estado porque um ônibus foi queimado por encapuzados. Nada deteve a raiva e o descontentamento dos jovens. Neste cenário, Camilo Ballesteros, dirigente da Universidade de Santiago, culpou o governo pela violência nas ruas, por não ter isso capaz de solucionar os problemas de fundo da educação. “Se seguirmos tapando os olhos e dizendo que a violência é gerada de forma espontânea, se não somos capazes de entender que há um problema que dá origem a ela, esses fatos seguirão ocorrendo. A medida que entendamos qual é o problema de fundo e o solucionarmos, a violência vai acabar”, sustentou o dirigente. “Existe um mal estar da população devido a que, em todos esses meses de mobilizações estudantis, a autoridade não foi capaz de atender suas demandas”, acrescentou Ballesteros.

Por sua parte, o presidente da prestigiosa consultora Adimark, Roberto Méndez, disse que a efervescência social dos indignados é um movimento que “não se via desde os anos sessenta”. Ele observou que, no Chile, existem níveis sem precedentes de mobilizações, sendo que é a classe média que está saindo às ruas para se manifestar. Esta situação, acrescentou, envolve um paradoxo, pois o consumo cresceu e o índice de risco do Chile é inferior ao da França hoje, além de haver boas expectativas internacionais a respeito do desenvolvimento do país. “O paradoxo é que, apesar dessa realidade, a cidadania está indignada”, assinalou.

Segundo dados oficiais, as manifestações aumentaram de 1.500, em 2009, para 5.658 até setembro deste ano.

Por sua parte, a presidenta da Federação da Universidade do Chile, Camila Vallejo, que regressou terça ao país após um périplo pela Europa, onde explicitou – em organismos internacionais – as demandas estudantis, sustentou durante o ato central que fechou as marchas de ontem que “o governo é cego; temos todo o apoio do mundo e de nossos compatriotas e ele nos fechou as portas. Agora que regressamos de Paris nos demos conta que o que estamos pedindo não é utópico, nossas demandas se replicaram no resto do mundo. Organizações internacionais disseram que o Estado chileno tem muitas tarefas em matéria educacional”.

Por outro lado, o ministro secretário geral de governo, Andrés Chadwick, assinalou que “às vezes o movimento estudantil é difícil de ficar satisfeito com algo. Sempre estão pedindo tudo ou sempre estão pedindo mais do que o país pode”, insistiu. Comentando a viagem dos dirigentes estudantis a Europa, afirmou que “os países que eles visitaram têm três, quatro, cinco vezes mais renda per capita que o Chile, e são países desenvolvidos há muitos anos; além disso, estão em uma crise gigantesca em virtude do déficit fiscal causado pelo mau uso dos recursos”. Sobre os episódios de violência, disse que “vamos terminar com essa festa onde, duas vezes por mês, um grupo de vândalos torna-se dono da cidade para gerar violência”.

A título de balanço, Camila Vallejo qualificou as marchas como “maravilhosas, já que após cinco meses mantém seu nível de trabalho e convicção”, reunindo cerca de 200 mil pessoas. Para o governo, foram só 25 mil as pessoas que participaram das marchas desta semana. O certo é que houve 110 detidos durante a jornada e 27 carabineiros feridos.

A cerca de cem quilômetros de Santiago, na cidade portuária de Valparaíso, sede do poder legislativo chileno, também houve marchas e conflitos. Mas, sem dúvida, o maior conflito ocorreu no próprio Congresso da República. Houve uma forte polêmica na Câmara de Deputados após a ação de forças especiais dos carabineiros contra um grupo de estudantes que protestavam contra o ministro do Interior e Segurança Pública, Rodrigo Hinzpeter. O questionado ministro participava justamente de uma sessão onde se analisavam algumas medidas para assegurar o direito às liberdades de reunião e de expressão no país, quando um grupo de jovens começou a gritar contra ele desde as tribunas.

Carabineiros interviram para retirar os manifestantes, entre tapas e empurrões. Vários parlamentares trataram de intervir para acalmar o incidente, mas não tiveram sucesso. Cinco dos participantes do protesto foram detidos pela polícia. “Aqui e em todo o país há um descontrole dos carabineiros”, sustentaram os parlamentares de oposição. Nesta quinta-feira, os deputados da Concertação apresentaram uma censura à mesa da Câmara de Deputados devido ao que qualificaram como “uso excessivo da violência” contra os manifestantes. Para o deputado socialista Carlos Montes, “nunca antes, após o retorno da democracia, efetivos das forças especiais tinham agido dessa maneira no Congresso”.

O presidente da Câmara de Deputados, Patricio Melero, membro do partido de direita (UDI), justificou a ação das forças especiais e insistiu que a decisão de como a força pública deve atuar “é exclusiva dos carabineiros”. “Hoje vivemos uma situação lamentável. Cada vez há mais grupos nas tribunas que impedem o funcionamento normal e democrático do trabalho parlamentar, começando com fatos de violência, gerando insultos e situações que obrigam a desocupação da sala”, afirmou.

Assim estão os ânimos no Chile: quentes. E não há previsão de que eles esfriem se o governo não escutar o que o povo está demandando.

Tradução: Katarina Peixoto

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